[Conto] Terapia de Cigarro

Mais fundo do que eu já estou não dá mais. Eu já cheguei no meu fundo do poço. Eu não sei mais sentir as coisas, ou fazer a vida me levar até onde eu quero. Eu só… não sei. Morto por dentro e um zumbi por fora.

Hoje é um dia que tá nublado, combina com a minha desistência de sentir todas as coisas boas da vida. Ao ver o branco das nuvens pela janela, eu esboço um sorriso, que mostra o quão aliviado eu estou pelo dia estar assim e ninguém me cobrar por estar feliz pelos malditos raios de sol estarem passando pela rua. Eu digo que existem outras pessoas que me verão assim por conta de eu precisar sair de casa hoje. Infelizmente, a comida acabou e os nutrientes são uma das poucas coisas que me impedem de morrer, esperando alguma coisa me tirar dessa infelicidade.

Passo por uma banca de jornal, na esquina de casa. Nunca me ocorreu, mas o vício em narcóticos parece ser um ótimo jeito de se passar o tempo. Ainda lembro nos meus últimos empregos ver as pessoas matando tempo de trabalho fumando, conversando, e pensando o quão seria legal estar ali, me drogando, relaxando e ainda por cima fazendo amizades. Que louco, não?

Foi aí que o estalo aconteceu: Por quê não? Em um só momento, a sensação de comprar algo que você sabe que vai te ferrar é um pouco culposa. Mas que se dane, né? Eu já tô na fossa, mais fundo não dá pra chegar. Eu fui procurar na banca por marcas que eu conhecia de propaganda ou de ver gente falando: Malboro, Eight, Free… Deve ser tudo igual, né? É cigarro.

Eu encontrei um Free, e perguntei pro jornaleiro quanto estava saindo o maço. “nove e cinquenta”, respondeu o jornaleiro. Antes que eu desistisse da ideia, peguei uma nota e dez e entreguei pra ele. Ele parou, olhou pra ela por um segundo, coçou a cabeça e me entregou o maço. Por um momento eu pensei realmente que ele tinha achado que a nota seria uma falsificação, mas foi a próxima coisa que ele disse que mudou a minha ideia: “tá me faltando troco pra 50 centavos, tu aceita troco em bala?”. A única coisa que eu consegui dizer disso foi um “sim”, queria sair de lá o mais rápido possível, já tinha o que eu queria na mão. O moço me entregou duas balinhas de maçã verde e eu fui caminhando dali, rumo ao mercado.

Agora, eu comprei a droga, então queria experimentá-la. Na hora em que eu olhei o maço que eu lembrei que cigarros se acendem com isqueiro, o que me fez perguntar se eu era burro ou só tava me fazendo enquanto tomava o meu rumo para o mercado. Alguns passos depois, eu vi um cara fumando, e pessoas fumando por consequência têm isqueiros… exceto eu. Então, indo até ele, perguntei se tinha um isqueiro, enquanto o maço estava visivelmente na outra mão. “tá aqui, mano. quer ajuda pra acender?”, ele respondeu. A primeira coisa que eu pensei foi “que pessoa legal”, enquanto colocava o cigarro na boca.

Enquanto ele puxava o isqueiro, eu fui lembrando de todos os passos possíveis que são necessários na hora de se fumar um cigarro. Eu convivi muito tempo com parentes que fumavam, como também com amigos fumantes, então eu tinha uma boa noção de como fazer aquilo. Eu achava isso, na verdade. Foi só puxar para acender o cigarro que tudo se embolou e eu comecei a tossir como um tuberculoso. Foram os cof cof mais horríveis da vida enquanto eu lutava pra não passar vergonha demais, enquanto tentava me manter decente. O cara percebeu aquilo, e deu um sorriso de encorajamento e um “tá tudo bem, acontece”. Depois de vários cofs, eu agradeci a ele e entreguei uma das balas que eu tinha ganho.

Sai dali com o cigarro na mão, parando na próxima esquina, tentando tragar, agora com o cigarro aceso, e pensando nas chances de não tossir demais. Essas segundas foram um pouco mais cautelosas, enquanto eu me acostumava com a ideia de parecer um aspirador de pó que leva poeira pro pulmão. Talvez o processo terapêutico e relaxante do cigarro se deva mais ao movimento de tragar do que realmente do efeito do cigarro.

No quarto trago, eu já tinha desistido de fumar, ficou uma tarefa muito dispendiosa. Apaguei o cigarro na parede escura mais próxima, joguei no lixo o cigarro e guardei o maço com mais cuidado, no bolso da jaqueta. Vai ficar para a próxima os futuros treinamentos. E no final das contas, o choque e o processo terapêutico do cigarro me fizeram esboçar um sorriso, dessa vez de verdade.

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